sábado, 9 de maio de 2020

Despedidas roubadas


Eu gosto de velório. Que fúnebre começar um texto assim, né? Mas eu explico. Penso que só quem já perdeu um ente muito querido para saber a importância de um abraço, de um sorriso, uma palavra consoladora, uma presença que seja, no momento da despedida de alguém amado, tempo esse que  carrega tanta dor. Cada abraço e cada manifestação de apoio e afeto é como se a nossa dor fosse sendo diluída aos pouquinhos, não é assim? Entendi isso cedo, com a morte da minha mãe, quando eu tinha 12 anos. Antes eu achava super estranho o meu pai ir a todos os velórios e sepultamentos que aconteciam na cidade. Depois entendi e passei a acompanhá-lo, não em todos, mas na maioria, e ao abraçar alguém em sofrimento sempre penso "me dá um pouquinho da sua dor, pode dar!". 

Desde o começo da pandemia a coisa que mais me chamou a atenção (e dor, só de pensar!) foi o fato das famílias vitimadas pelo corona vírus terem as despedidas roubadas quando perdem seus amados. Meu Deus! Isso não entra na minha cabeça! Imagina, você não poder dar um último beijo, não poder passar horas olhando para aquele rosto já sem vida, mas que traz tantas histórias que vão deixar tantas saudades. Que dor mais sem limite! Sem abraços, sem consolo, sem o tempo certo para digerir a perda. Que coisa triste e nunca imaginada! 

Hoje o Brasil completou 10 mil perdas. "Numerozão", né? Vamos escutando esse aumento assustador de números dia a dia, números computados, somados, acumulados e tristemente ignorados por muitos. Muuuuuuuuuitos. Cada número que compõe essa soma é uma pessoa que tinha uma história, tinha família, tinha assuntos inacabados e vai embora desse mundo deixando dor em muita gente, vai sem se despedir. Imagina o buraco que isso fica na vida de quem fica? Que luto mais tortuoso será!

Fico aqui pensando... nós acompanhamos essa tristeza pelos telejornais, sentadinhos no sofá, no nosso conforto, com nossa família querida e tudo isso fica tããããão distante de nós, parece um filme de terror, de ficção, estarrecedor, mas o noticiário acaba, a gente desliga a TV, volta pro nosso cotidiano, mesmo em quarentena, com saúde, com vida e pronto, os números ficaram para trás... amanhã é outro capítulo do filme, com mais números, mais tristeza e "parece" que a tragédia nunca irá nos atingir, nunca baterá na nossa porta. 

O que eu tenho visto e ouvido dos amigos aqui do interior de Minas é que a vida segue praticamente normal pelas ruas. Todo mundo na mesma vibe: "ah! esse "trem" nunca chega aqui não, sô!", mineiro sempre sossegado e confiante. Faço votos para que não chegue mesmo, por isso estou fazendo o máximo pra ficar bem trancadinha em casa, porque se vier... vai ser muito triste não poder abraçar um amigo querido que passe por uma tragédia dessa! Não existe ir num velório sem abraçar e não existe velório sem um corpo para velar. O que fica é só morte, um enterro solitário e um vazio que vai ser muito mais difícil de ser preenchido.

Eu sempre gosto de terminar meus textos com algo positivo,  alguma lição boa que podemos tirar de alguma dor... mas hoje não estou encontrando saída para isso. Se não conseguimos nos sensibilizar pela dor do outro, pela dor dessas 10 mil famílias, estamos doentes por dentro. A doença da insensibilidade é devastadora e ela pode sim, fazer com que sejamos os próximos da fila das despedidas roubadas.

Triste.