sábado, 28 de março de 2020

Será que eu vou morrer?


A pergunta que não quer calar na nossa mente inquieta dos últimos dias: "Será que eu vou morrer?",  e a resposta ligeira, "na ponta da língua" do pensamento é: "Não!!!!! Imagina!". Somos assim, não é? Nunca achamos que seremos acometidos pela doença, pelas tragédias e pelas coisas ruins que acontecem com "os outros", com as pessoas que nem conhecemos, como os italianos, os americanos, chineses e espanhóis que estão semanas na nossa frente, nessa triste guerra contra a pandemia. Temos a ilusão da imunidade, "Ah, comigo e com a minha família não vai acontecer", e seguimos, amedrontados e assustados com esse imprevisto, mas certos de que sairemos ilesos. 

Hoje fiquei catando matinhos no quintal, ao redor da minha varanda, a manhã inteira e me veio esse pensamento enquanto eu me perdia no meio da natureza e do solzinho gostoso na minha pele. Pensei na impermanência da vida, como tudo muda de uma hora pra outra, e o quanto a vida é frágil, um sopro... e o quanto teimamos em não olhar para isso com cuidado. Vivemos como se o tempo  fosse ilimitado, como se esse "grande senhor dos dias" estivesse à nossa completa mercê, então deixamos milhares de assuntos para resolver depois, depois que sobrar dinheiro, depois que eu tomar coragem, depois que eu emagrecer, depois que terminar o verão, depois da quaresma, depois de me aposentar, depois, depois, depois... a ilusão do depois que nos dá tantas rasteiras pela vida afora.

No começo desse mês perdi um gatinho que eu amava muito, o Xexéu, um gato fofo, carinhoso, dengoso e muito companheirinho meu, de trabalho, de sofá, de cochilos, de conversas... ele era um gatinho que respondia quando eu falava com ele, era um gozo e uma fofura master! O Xexéu ficou doentinho e se foi em cinco dias, alastrando meu coração. Tudo muito fugaz e inesperado. Lembrei hoje na capina da manhã que às vezes eu olhava para os meus gatos e pensava: "um dia eles vão morrer... como será que vai ser? Qual deles vai primeiro?", mas a mente mentirosa logo respondia: "Xi, vai demorar! Nem pensa nisso", e imediatamente eu deixava esse pensamento "bobo" pra lá. Então, não demorou... e a morte veio de uma maneira nunca antes imaginada.

A vida esse ano parece me chamar a atenção para sua impermanência. Tanta coisa já aconteceu de uma hora para outra! Penso que ela quer que eu pense a fundo sobre mudanças, perdas, recomeços e realidade. Sim, eu posso morrer, meus parentes e amigos podem morrer, por que não? Por que sou diferente dos outros que estão passando por isso e não vai acontecer comigo? Aliás, "NÃO VAI ACONTECER COMIGO", é a frase mais pensada e dita, não é mesmo?  É filhotaaaa, você não tem nada de diferente de ninguém, então se aprume. E vamos pensar sim na morte, mas vamos pensar muito mais na vida que queremos ter, nas coisas que precisamos resolver, nos nossos sonhos, que não podem morrer junto com a ameaça da vida se acabar do dia para a noite. 

Eu, por sorte, não tenho medo de morrer, mas tenho medo de perder pessoas. Perda é um assunto complicado pra mim, talvez por ter perdido minha mãe tão nova, esse assunto é sempre algo doloroso e difícil de assimilar, ingerir. Mas é um exercício importante da gente fazer, é um assunto que tem SIM que ser encarado, porque desde que eu me entendo por gente, nunca ouvi dizer que alguém ficou para semente. Talvez não sejamos vítimas do corona vírus, mas de alguma coisa, algum dia, nós vamos morrer, nossos pais, amigos, filhos, amores, todos vão morrer. temos que exercitar essas perdas desde já... como? Amando do jeito certo, sendo gentis uns com os outros, sendo solidários, atenciosos, entendendo melhor as necessidades afetivas das pessoas ao nosso redor. 

Poque quando a perda vier, quando a morte chegar, garanto que vai ser muito menos doloroso quando sabemos que fizemos tudo de bom que poderíamos ter feito pela pessoa que se foi. E se eu morrer, saibam todos que eu vou livre, leve e solta, porque eu sinto lindamente no coração que é só uma mudança de dimensão, é só uma continuidade. Deus é tão pai, tão tudo de bom, que dá pra gente oportunidades inúmeras de acertar, quantas vidas precisar, mesmo que a gente demore pra entender que não somos diferentes de ninguém. 

Quando tivermos esse entendimento, aí sim estaremos libertos para sempre. 

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