terça-feira, 9 de julho de 2019

O universo felino de Dona Amália


(Imagem Ilustrativa - essa não é Dona Amália!)

Tenho poucas lembranças da minha mãe. Uma pena, mas essas poucas são tão valiosas que penso que auxiliaram (e muito!) na formação da minha personalidade, caráter e naquilo que "você é porque quis ser". Dona Cibele era uma mulher bondosa que tinha muita empatia e compaixão pelas pessoas solitárias. Ela visitava com frequência alguma amigas viúvas e cultivava essas  amizades com carinho e doçura. Sempre que podia levava eu e minhas irmãs para essas visitas também, certamente porque sentia em seu íntimo que tinha pouco tempo para nos ensinar a considerar e a se importar com o sofrimento alheio. No meu tempo de criança as pessoas ainda se visitavam, paravam para conversar, se olhavam mais nos olhos. Tempo que ficou tão para trás com a tecnologia que une por um lado, mas que, por outro, criou abismos, às vezes intransponíveis, entre as pessoas. 

Uma amiga que a mamãe visitava e que eu nunca me negava a ir era a Dona Amália, uma senhorinha fofa que vivia rodeada pelos seus gatos e mais ninguém. Eu achava a Dona Amália uma querida, ela nos recebia sempre com alegria, abraços, beijos e alguns docinhos. Ela amava a minha mãe! Dona Amália sempre nos recebia na pequena sala de sua casa e nunca passamos desse cômodo, o que para mim era uma tremenda de uma "sacanagem", porque eu morria de curiosidade para saber como era o restante da casa. Eu imaginava em minha mente ultra fértil e criativa (criança sabe como é, né?) um mundo fantástico, onde os gatos viravam gente no interior da casa, tipo "Gatotauros, parecidos com os Minotauros", aqueles corpos de homens com cabeça de touro que eu assistia no Sítio do Pica Pau Amarelo! rsrsrs... e eu viajava, desnecessariamente, pois nunca passei para o lado de dentro.

Dona Amália era um luxo com seus bichanos, era lindo de ver. Hoje eu sei o valor que é ter gatos como companheiros e ultimamente tenho brincado que serei a substituta da Dona Amália em Pedralva, porque aqui já temos três: o Pixe, o Xexéu e o Xuxú! Eles são a vida da nossa casa! Os gatinhos da Dona Amália deviam também ser a vida da casa dela. Depois que minha mãe morreu visitei Dona Amália algumas vezes, mas era tão difícil pra mim porque ela só chorava quando nos via, tadinha! Deve ter sido muito difícil perder uma amiga que se importava com ela. 

Anos depois, quando eu já não morava em Pedralva, soube da partida da Dona Amália. Não me lembro em quais circunstâncias ela faleceu, se foi encontrada sozinha com os gatos, mas me lembro que fiquei muito triste. Dona Amália é como vários personagens da minha infância que ficaram guardados num local muito especial da memória, um lugar encantado, misterioso e que eu desejei decifrar, como o Sô Wilson e o seu Armazém que parecia não ter fim,  o Jofre que saía de trás do balcão para me abraçar do lado de fora, toda vez que me via! Quanta gente querida! A Dona Chiquinha Magra, que também amava a mamãe e que a gente também visitava. Ai Dona Chiquinha... que mulher amorosa e especial! Ela também chorava toda vez que nos via depois da partida da mamãe! Lembro que na adolescência tive uma "antipatia temporária" por ela, tadinha, porque ela me encontrava e dizia: 

- Filha! Como você está bonita! Gooooooooooorda!

Hahaha... eu queria morrer! Mas é claro que a antipatia era passageira e no fundo eu sabia que ela achava mesmo as gordinhas bonitas, os antigos achavam! Porque a moda não continuou, né? Sacanagem! rsrsrs... Ela devia achar bonito também porque tinha a própria magreza estampada no apelido. Vai ver o sonho da Dona Chiquinha era ser gordinha! 

Muitas histórias! Que infância feliz eu tive nessa cidade, com gente tão simples e tão cheia de valor!
Queria ser mais parecida com minha mãe no "quesito compaixão", ter mais esse "feeling" de olhar para o próximo, de identificar sofredores e ajudar mais. Podemos fazer tanto pelos outros e fazemos tão pouco! A gente se acomoda dentro do próprio mundinho, né? A ponto de sequer olhar na janelinha! 

Que linda foi minha mãe! Ela exemplificou lindamente para nós o que é empatia, sentimento raro hoje em dia. Eu só posso ser grata por ela e por todos esses personagens do meu mundo encantado, escondido e empoeirado aqui dentro de mim. Um beijo mãezinha! Um beijo Dona Amália, Dona Chiquinha Magra, Sô Wilson, Jofre querido, Seu Chico Nery, A fofa da Dona Ana Osório, o gigante Padre Sebastião, Chinho meu eterno amigo, o bondoso Antonio Braga, a queridíssima Dona Mariinha Bustamante e tantas e tantas lindezas de Pedralva! Que saudade de vocês!

Um comentário:

  1. Querida Ana, quanta sensibilidade, quanta ternura! Eu me lembro da D.Amalia com os gatinhos. eu me lembro de tanta história, de tantas pessoas que também estão guardadas dentro de mim. Amei conhecer um pouco dos seus escritos. Amanhã leio mais! Bj

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